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terça-feira, 27 de julho de 2010

Aos nossos



Rita sobe o Chiado até à esplanada da Brasileira onde Sandra, amiga de longa data, a espera já há algum tempo. São mulheres na casa dos trinta, elegantes e bem sucedidas. Separa-as uma opção de fundo, que lhes marca a vida. Sandra casou há seis anos e dessa relação tem um filho. Ao contrário, Rita manteve-se solteira, mais levada pelos balanços da vida do que por uma opção sua.

Rita chega esbaforida.

R- Estou danada.

S- Pode saber-se porquê?

R- A minha mãe voltou a chatear-me: porque estou sozinha e que os trinta e seis anos já não ajudam a uma solução de vida,"que nunca me vou arrumar”, que devia ter alguém… enfim, o sermão do costume.

S- O normal, até devias de estar já imunizada.

R- Só deixou de ser normal porque lhe falei do Pedro e da relação que mantenho com ele há 5 anos.

S- Disseste-lhe tudo?

R- Disse! Passei-me!

S- Até que ele é casado?

R- Sim, contei-lhe tudo. Estava cansada de esconder. Sentia-me uma botija prestes a rebentar. Fez-me bem.

S- Tu és doida! E ela?

R- Ia morrendo! Talvez nunca mais me fale. Esta coisa das amizades coloridas não se enquadra na sua mentalidade, mesmo explicando que apesar de não ser amor nem paixão, também não é só sexo, é mais. É companheirismo, amizade, colaboração e também atracção sexual, claro que sim, às toneladas, seguramente. O que a mata é ele ser casado. Expliquei-lhe que namorei com ele muito antes da sua mulher e que o “enterro” dessa relação foi selado com um acordo para a manutenção das melhores partes do passado. O nosso jogo de sedução nunca acabou e não podemos ficar sozinhos porque acontece sempre qualquer coisa. Tu sabes bem o que é isso, melhor até do que eu, porque estás no mesmo barco e há muito mais tempo. Conheceste o Vítor antes de conheceres o teu marido?

S- Pois é amiga, há anos que dizemos que não nos voltamos a encontrar, mas estamos sempre a recomeçar. Parece um vício. O Vítor nunca quis um compromisso nem projectos de futuro, para isso tive de seguir outro caminho. Mas olha que sem o Vítor o meu casamento já tinha acabado, ele é uma válvula de escape e, como dizes, é muito mais que físico, embora o que sinto com o Vítor é único, depois ele está lá, sempre lá, seguro e confortável, sem ansiedades.

R- Sem ansiedades mas com ciúmes. Eu sei que isto é parvo, mas morro de ciúmes da mulher do Pedro. Até já tive outros casos também, mas ainda assim arrasa-me a ideia de ela dormir encostada a ele todos os dias.

S- Olha que o desejo de posse exclusiva do outro é ilógico nestas relações. Mas tens razão, a mente humana é muito traiçoeira.

R- No teu caso não sei, mas no meu assusta-me a solidão, talvez seja esta a maior amarra desta relação com o Pedro.

S- Mais vale mal acompanhada do que só!

R- Talvez seja isso, mas estou certa que mesmo que o colorido acabe com o Pedro e que se reacenda com outro alguém, vamos estar próximos para o resto da vida. Há aqui sentimentos fortes, cravados e duradouros.

S- Amiga, associar erotismo e afecto, pode conduzir-nos à necessidade de uma receita perpétua de xanax…

R- Será que estes homens são nossos namorados? Serão namoros não assumidos?

S- Namoro não sei, mas que ninguém os assume, isso é verdade. Tirando uma doida como tu, que resolveu contar tudo e logo à mãe. Lá se foi o respeitinho!...

R- Fiz uma asneira, tenho a noção disso. Ela devia ter sido poupada, tal como todos os outros que gravitam à volta disto. Pior seria se alguém da família do Pedro soubesse da traição.

S- Boa questão! Aqui quem trai quem? Quem é fiel a quem? O Pedro é-te fiel há mais tempo do que à mulher! Ou não?

R- Não me baralhes ainda mais. Estou uma pilha de nervos, nem tanto pela minha mãe saber de tudo isto, até porque isso me aliviou de alguma forma. O que me mata é ver os anos a passarem e continuar sozinha e cada vez mais velha.

S- Tem calma. A seu tempo as coisas vão-se compor e até lá desfruta do que a vida te proporciona de bom.

R- Agora que falas nisso, tenho de me despachar. Hoje ao fim da tarde combinei com o Pedro e não posso demorar-me no escritório.

S- Bem rapariga, brindemos.

R- A quê?

S- À inconsciência, que talvez nos faça felizes.

R- Ou à consciência da nossa tontice ou fragilidade.

S- Ou talvez a nós?

R- Sim. E aos nossos.

S- Sim aos nossos!

Tchim tchim!