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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Gravata



O telefone tocou. Era o velho amigo João que com uma voz feliz lhe anunciou um casamento. Era o segundo e parece que desta o João estava decidido a investir numa vida a dois. Seria uma cerimónia simples e reservada aos mais chegados. Tudo foi agendado para 31 de Março, quase como que anunciando o final do prazo para que tudo fosse verdade. Faltavam quinze dias e decidiu de imediato tratar do “uniforme” apropriado. Já tinha um fato cinza muito recente, uma camisa azul daquelas que funcionam bem com tudo e pensou numa gravata vermelha. Porquê vermelha? Talvez um reflexo exterior da alegria sentida ou talvez uma homenagem ao João e a outros amigos com quem se partilha a mesma paixão clubistíca. Certo é que não tinha uma gravata vermelha e talvez até fosse essa a razão de tal escolha.


Na manhã seguinte partiu numa cruzada em busca dessa gravata sonhada e que teria um vermelho menos óbvio, que funcionasse, mas que seguramente ainda só havia sido fabricada nos seus sonhos. Várias horas e muitas lojas depois, aquele mega centro comercial parecia um deserto onde só encontrou frases simpáticas de empregadas de balcão. Do tipo:


Fica-lhe tão bem…, é mesmo o que combina com o seu tom de pele…, muito elegante…, etc.


Certo é que no final da manhã a gravata sonhada era ainda prisioneira dos seus sonhos.


Tudo aquilo o incomodava. Nunca fora ensinado a ser consumista, até porque as suas origens não sendo pobres, eram remediadas, contidas nos gastos e sobretudo pouco dadas a futilidades. Atropelava os seus princípios, educação e valores e isso magoava-o, sobretudo porque lhe dava prazer. Quase um combate corpo a corpo, com apenas um lutador, mas a verdade é que retirava prazer daquela busca e talvez nem quisesse encontrar a dita gravata, se isso acontecesse, terminaria essa busca tão prazeirosa. O objectivo era a busca, não a descoberta. Tinha esta consciência, dava-lhe pouca atenção, quase a devotava ao abandono, apenas porque também ela o contrariava nos seus conceitos e preconceitos herdados. Mas que diabo! Há razão para tanto incómodo? . A idade, a independência económica e até a solidão, deixaram para trás as críticas alheias e também o que não se sabe, não se comenta e seguramente ele manteria o silêncio.


Quinze dias depois foi ao dito casamento. Ficou feliz pelo João e sentiu como sua aquela conquista. No fim do dia regressou a casa e a primeira coisa que tirou foi a gravata. Era castanha, nova, bonita, mas não era aquela que ainda estava no seu pensamento, em prisão domiciliária e talvez condenada a prisão perpétua.