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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sol do sorriso



O clima molda as pessoas. Se é verdade que o frio tolhe os movimentos, também é verdade que o sol abre os espíritos e os corpos. Por essa razão, naquela manhã de domingo era impossível ficar na cama e nada melhor do que seguir o apelo da descoberta do charme de Lisboa. Já tinha ouvido falar das vilas operárias da Graça, embora nunca as tivesse tocado com os pés, nem com os olhos.


Se a busca era a da surpresa, foi fácil encontrá-la apenas alguns metros abaixo da rua principal, a tal que já calcorreara vezes sem conta, guiado pela pressa que menosprezava a rua de trás, com a sua pacatez de aldeia enxertada na malha urbana e ainda assim senhora de espaço e alma próprias. Como estes passeios sem hora marcada, são víciantes para o cérebro, o melhor era não desembarcar e seguir viagem desfrutando ao máximo dos estímulos para os sentidos. Era demasiado cedo para almoçar naquele restaurante fantástico, que tinha contra si apenas o facto de ser um dejá vu. Ainda bem que o estômago não reclamou e deixou o andar vaguear até ao miradouro frente á igreja, outrora convento Agostinho, com um milhão de histórias e lendas, situado frente a uma das mais belas paisagens da cidade.


Sentia no ar o cheiro de terreno de batalha abandonado, séculos de histórias encavalitados num espaço tão pequeno, fizeram de Lisboa uma das cidades mais humanas do mundo e isso sente-se a cada recanto. Nunca se está só nesta cidade. Por mais que se queira há sempre uma estátua, uma história, uma obra, uma placa, que nos recordam que por aqui passaram milhões de almas, em tempos tão diferentes.


Os passos andaram pelas escolas gerais e as memórias da primeira universidade, até mergulharem nas vielas da Alfama profunda, aquela que ao princípio parece um labirinto mas que com alguma prática nos permite tratar os becos por tu.


Num largo soalheiro, numa esplanada simples, a escolha só podia ser a de sabores alfacinhas. Iscas com elas e petingas com arroz de grelos. Vinho a condizer e uma plateia enorme de turistas estrangeiros comendo bitoques, o cenário perfeito surgiu no momento em que trocou um sorriso com ela. Sabia que os motivos para sorrir eram já muitos mas aquela presença era a maior responsável pelo seu sorriso.


Quando a gentileza de um empregado disse:


-Vão aceitar um café?


Caiu um pano naquele palco. Naturalmente que o café era o anúncio do fim.


Ficaram nas pedras da calçada mais estas memórias que se juntam a milhões de outras que já lá viviam. Nos dias felizes de sol também se morre.


Alguma coisa morreu nesse dia.

6 comentários:

  1. Lisboa tem recantos encantadores e é sempre um prazer descobri-los e saboreá-los. Recantos cheios de História e estórias, memórias de sempre que, a par com o sol e o clima, também nos moldam. Um cenário para muitas "peças", sempre a descobrir, sem dúvida!

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  2. O cenário é muito rico, mas é só cenário. Por descobrir fica a humanidade da coisa. Muito obrigado pelo comentário.

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  3. Nem sempre o cair do pano encerra o espectáculo, menos ainda para aqueles que dele fazem parte. A riqueza da estória, das personagens e dos cenários enriquecem-nos e permitem-nos continuar vivos no palco da vida.

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  4. Obrigado pelo comentário Olga. Muito bonito e esperançoso.Seguir em frente, seja lá por onde isso for.

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  5. Sandra Marina Marques Se alguma coisa ou coisas morrem alguns dias, tantas outras podem, noutros nascer. Se há algo de fantástico na vida, é a certeza de que amanhã é sempre um novo dia.
    Excelente texto, parabéns! Bj

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  6. Nos ciclos de vida, a morte tem de existir para proporcionar nova vida. Sem morte é o caos e José Saramago descreveu isso mesmo de forma genial no livro “As intermitências da morte”. A conclusão será a de que o fim é a mola do início e ainda bem que o fim existe. Obrigado pelo comentário Sandra.

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